Conselhos sobre prática espiritual

SH-16-Karmapa-Rangjung-Rigpe-Dorje-Presse-2Sua Santidade o 16º Gyalwa Karmapa, Rangjung Rigpe Dorje

A prática do dharma envolve certas possibilidades. Como estes potenciais evoluem para situações reais para o praticante e o quanto é possível desenvolvê-las dentro destas situações, depende da capacidade individual dos seres. Depende do nível dos ensinamentos com o qual uma pessoa é capaz de se relacionar, tais como mahayana ou hinayana. Nesta época específica de nossas vidas, a prática do ensinamento mahayana é possível. É absolutamente precioso e absolutamente raro. Nossa preocupação por desenvolvimento e nosso senso de responsabilidade nos colocou em uma posição de integrar a preciosidade e a raridade do ensinamento mahayana a nossas vidas. Através dele existe a possibilidade da experiência de não retornar ao samsara e a experiência de felicidade plena que é o autoconhecimento e no qual não há dúvidas.

Em meio aos devaneios de nossas mentes podemos, às vezes, cair no pensamento de que, quer pratiquemos ou não, o dharma sempre estará disponível. Se você tem este tipo de noção, é um erro muito sério. Qualquer breve momento, qualquer tempo que possamos usar como uma oportunidade para a prática do dharma, devemos usá-lo. Se não assumirmos esta responsabilidade e oferecermos respeito sincero aos ensinamentos mahayana e vajrayana, há uma possibilidade definida de causar dano a nós mesmos assim como àqueles amigos espirituais a quem estamos ligados. Uma falta de atenção às responsabilidades do caminho mahayana constitui uma quebra dos princípios samaya, logo, qualquer que seja a maneira de nos agarrarmos aos ensinamentos, devemos sinceramente fazê-lo.

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Se você pensa que o ensinamento é negligenciável, tal realidade se manifestará por causa da sua atitude, para seu grande prejuízo. O fato é que o ensinamento está oculto a você, então você não pode realmente especular acerca dele. Por outro lado, a validade do ensinamento foi testemunhada por sua eterna efetividade desde a época do Buda até o presente dia. Isto é algo em que se deve insistir. Você deve sinceramente perceber a sacralidade dos ensinamentos, a ponto de entender que, na verdade, não há nada mais importante do que a prática do dharma nesta vida e nas vidas que estão por vir. Em uma simples situação de vida mundana, observamos que o homem de negócios desenvolve um plano para um projeto. Ele sabe o que vai-lhe custar, talvez um milhão de dólares, e cada detalhe do projeto é observado com o maior cuidado possível. A tal projeto é dada importância absoluta e um grande volume de energia é empregado para levá-lo a uma conclusão bem sucedida. O ponto é: se vamos gastar todo esse esforço por um resultado de natureza tão temporária, por que não usar o mesmo esforço em um projeto que vai causar tanto o nosso benefício temporário quanto o benefício definitivo? Se você está recebendo uma iniciação ou uma explicação, se você é capaz de ter ou desenvolver esse senso de importância sobre o dharma, então há propósito no seu relacionamento com os ensinamentos mahayana e também haverá realização. Se há um comprometimento genuíno com o ensinamento, você será capaz de desenvolver confiança direta e significativa, confiança nos ensinamentos e compaixão sincera em relação aos seres. Ocorrerá um verdadeiro entendimento da universalidade das leis do karma, a natureza de causa e efeito.

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A aspiração e as ações do bodhisattva são poderosas porque bem do início quando o bodhisattva embarca na jornada do caminho bodhi, ele aspira trabalhar para o benefício e a liberação de todos os seres sencientes com uma intenção muito determinada, definida e poderosa. Por causa da resolução sincera que está dentro da aspiração, quaisquer ações necessárias para beneficiar e liberar os seres são realizadas com grande poder e de forma incansável. Tendo-se empenhado em tal jornada pela virtude da aspiração de ajudar os seres, à medida que os diferentes estágios do bodhisattva sejam experimentados, encontramo-nos cada vez mais capazes de beneficiar inúmeros seres. É assim que o bodhisattva começa a andar pelo caminho.

Quando os bodhisattvas trabalham para o benefício de todos os seres com tais aspirações e ações apropriadas, há realização total. Realização apropriada no sentido de que não há egocentrismo envolvido no caminho das expectativas, dúvidas, esperanças, apego ou aversão em relação a ganhos e perdas de qualquer tipo. O bodhisattva é completamente puro e imaculado, trabalhando incessante e comprometidamente para o benefício dos seres. Em nenhum momento há qualquer hesitação ou dúvida, já que estes obstáculos foram transcendidos. Os meios de um bodhisattva são gentis, já que todas as ações e indulgências prejudiciais foram abandonadas. Não apenas os atos prejudiciais são, eles próprios, eliminados da vida de um bodhisattva, como também a criação de causas de futuras situações prejudiciais. O trabalho é feito somente para o benefício de outros seres, não apenas em atos diretos, mas também em construir as fundações para que futuros benefícios se acumulem. Então, quando estes bodhisattvas começam a trabalhar, são capazes de causar benefícios imensuráveis aos seres, e o fazem manifestando generosidade sem medo, sem dúvidas ou expectativas, como o grande bodhisattva da Compaixão Ilimitada, Avalokiteshvara, ou o bodhisattva do Poder Ilimitado, Vajrapani, e assim por diante.

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Todos os que constituem a grande assembléia dos bodhisattvas são igualmente poderosos e igualmente benéficos a inúmeros seres, de modo que todas as coisas parecem estar sob seu comando. Às vezes eles fazem lindos lótus e árvores de lótus crescerem no meio do oceano, ou transformam uma lágrima em um oceano. Tudo na natureza está nas mãos do bodhisattva. Fogo pode aparecer como água; água pode aparecer como fogo. Tudo isso por causa da força da atitude, da aspiração e da ação do bodhisattva. Para nós isto mostra que devemos refletir muito sobre a prática da compaixão. Ela deve estar o tempo todo em nossa consciência e ser praticada sempre.

Se vamos tentar meditar, por exemplo, sobre a vacuidade (sunyata) nunca devemos falhar em nos relacionarmos com os objetos iluminados do Refúgio por um lado, e gerar consistentemente compaixão genuína para os seres, por outro lado. A verdadeira natureza da vacuidade é a compaixão. Sem a experiência da totalidade da compaixão, se afirmamos ter conseguido plena consciência da vacuidade (sunyata), isso não tem nenhuma significância.

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Neste ponto você tem a oportunidade de receber os ensinamentos. Há professores, há lugares. Você tem recebido muitos níveis de ensinamentos, e é importante que você não perca o foco em termos de pôr em prática o que é ensinado. Isso é absolutamente importante. Estou enfatizando hoje algo que você deve ter ouvido muitas vezes. Ainda assim há sempre a necessidade de integração completa, de consciência e respeito, de valorizarmos o que entendemos e o que recebemos. Há a necessidade de trabalhar para a realização dos ensinamentos e a completa conscientização do seu significado. E para isso, o fator mais importante, mais uma vez, é a prática da bodhicitta (mente iluminada), através da qual gradualmente entraremos no caminho vajrayana. A bodhicitta é sempre indispensável. A não ser que as profundas técnicas do vajrayana sejam fundamentadas pela bodhicitta, não alcançaremos, necessariamente, conscientizações significativas. Então, você vê que tudo está realmente enraizado na prática da bodhicitta, e que buscar com sinceridade o que quer que melhore e dê suporte à prática da bodhicitta cria situações favoráveis para o seu desenvolvimento.

Um exemplo de um meio para desenvolver bodhicitta é pratimoksa. Na tradição pratimoksa há sete famílias ou níveis de pratimoksa ou autodisciplina. Estes são conhecidos como os preceitos ou votos. O Refúgio é o pré-requisito mais importante para entrar na prática da disciplina. Depois de tomar refúgio, você toma quaisquer outros preceitos que puder. Mantê-los fortalece sua prática de bodhicitta, e o habilita a prosseguir pelo caminho do Buddhadharma (os ensinamentos do Desperto) com mais simplicidade, sinceridade e sanidade. A importância da aplicação da autodisciplina e dos preceitos não pode ser negligenciada. Fortemente arraigados são os padrões dos três venenos: ira, apego e ignorância. Se estivermos dispostos a arrancar estes padrões pela raiz e a aplicar o antídoto adequado para estes venenos, as práticas de disciplina como descritas na pratimoksa são ferramentas necessárias.

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Depois temos os princípios mahayana. Devemos praticar a vivência do ideal mahayana do qual falamos: o desenvolvimento da Atitude Iluminada – uma preocupação com o benefício e a liberação de todos os seres. Do ponto de vista material, este país é muito rico, o que significa que a vida é mais agitada para todos do que em outras partes do mundo, e as pessoas estão ocupadas com todos os tipos de demandas mundanas. Por causa das preocupações materiais esmagadoras que nos rodeiam, a velocidade da vida aumenta. Uma situação agitada leva a outra, e assim vai. Você está sempre ocupado. A verdade da existência cíclica está muito bem manifestada em nossas vidas. Para remediar esse estado de coisas, primeiro precisamos acalmar a mente. Não se deixe absorver totalmente pelo que o rodeia. Desenvolva algum grau de quietude. Cultive o simples controle da mente, a tranqüilidade. Pelo menos alguma abertura da mente precisa ser desenvolvida. Não importa quem você seja, todos precisam começar com as práticas básicas de meditação, práticas de meditação especialmente elaboradas para acalmar as mentes dos seres que vivem constantemente atarefados. Este é o primeiro passo na prática do dharma, o dharma que é tão importante para nós e para os outros.

Se você pudesse ver e apreciar a verdade do dharma e, à luz dessa apreciação, continuasse a praticar, não há dúvida de que você seria de grande benefício às pessoas com quem você encontra e a este país especialmente. Não haveria dúvida sobre a sua habilidade para salvar seres de inúmeros problemas e conflitos. Então, a prática do dharma deve ser levada muito a sério e deve ser feita com muita sinceridade. Ela tem um papel fundamental na formação da vida de uma pessoa, e não apenas desta vida, mas todas as vidas por vir. Se desejamos ter realização temporária e também definitiva da felicidade, a incomparável e única conexão confiável é a prática do dharma. A noção de percepção e de quem percebe existe desde o início dos tempos e é parte do padrão de apego. Desde o início dos tempos nosso erro tem sido retornar ao samsara. No passado, no futuro e no presente, a mente tem sido marota. Mas onde a verdadeira natureza da mente está em questão, nem a cor, nem a forma nem a sua localização ou a sua consciência podem ser apontadas.

A natureza da mente vai além de tais substancialidades. Sendo assim, na prática da meditação é importante não convidar o futuro nem chamar o passado, mas permanecer no estado do agora. O agora da mente é a prática que deveria ser desenvolvida por todos vocês.

Este ensinamento foi dado na Karma Triyana Dharmachakra por Sua Santidade o Décimo Sexto Gyalwa Karmapa no domingo, 31 de agosto de 1980. Foi publicado pela primeira vez em Densal Vol. 2. No. 3, verão de 1981.