Refúgio significa “proteção”. Tomar refúgio é colocar-se sob uma proteção. Em sua natureza original, nossa mente é pura, livre e feliz. Entretanto, nós desconhecemos essa natureza original devido ao jogo das emoções conflituosas ou aflitivas, como: o desejo, o apego, a possessividade, a ganância, a aversão, o ódio, o ciúme, a obscuridade mental etc.
Essas emoções conflituosas são condicionamentos impressos em nossa mente desde tempos sem começo e sobre os quais praticamente não temos controle algum. Elas são a raiz de nosso sofrimento, de nossas angústias e frustrações, levam-nos a agir de forma a gerar nosso próprio sofrimento — geramos e acumulamos karma negativo e experimentamos os efeitos desse karma. Não somos, pois, livres em nosso destino, somos impotentes para preservarmo-nos do sofrimento e da ilusão. Por isso remetemo-nos a essa realidade transcendente que são as Três Jóias: O Buda, o Dharma (seus ensinamentos) e a Sangha (a comunidade).
Tomar refúgio é, assim, situar-se sob uma dupla proteção:
- temporária — pelo poder das Três Jóias, somos protegidos dos sofrimentos cuja semente semeamos no passado e que reencontramos agora ao longo de nossa vida;
- definitiva — aprendemos a conhecer de que maneira as emoções conflituosas nos são prejudiciais e, depois, a desprender-nos das mesmas, recobrando nossa pureza original e a felicidade autêntica, independentes das circunstâncias que nos são inerentes.
Por que as Três Jóias possuem essa capacidade de proteger-nos que nós mesmos não possuímos?
O Buda libertou-se das emoções conflituosas e do karma e possui a onisciência do Despertar. Nele, todos os defeitos desapareceram e todas as qualidades da pureza da mente desabrocharam. É infinitamente superior a nós, e por essa razão tomamo-lo como refúgio. O Buda mostra o caminho que conduz ao fim do sofrimento. Sua maneira de guiar-nos é nos ensinando o Dharma, cuja prática nos conduz à liberação. Por último a Sangha (os que praticam o Dharma e o transmitem a outros) nos ajuda em nossa progressão.
Eis o motivo pelo qual o Buda, o Dharma e a Sangha são nossos três refúgios.
Qualquer que seja a escola do Budismo a que estejamos ligados tomamos refúgio em primeiro lugar nas Três Jóias: o Buda, o Dharma e a Sangha, também chamados de os Três Raros e Sublimes. Essas Três Jóias são denominadas os “Três Raros e Sublimes”, porque é muito raro que apareçam no mundo e são superiores a tudo.
Buda
Talvez estejamos acostumados a pensar no Buda simplesmente como um ser humano semelhante a nós mesmos, que viveu há seis séculos antes da nossa era. Isso não é falso, porém ele é muito mais do que isso. Quando imaginamos a totalidade do que realmente ele é, consideramos três aspectos, três modalidades de seu ser, que denominamos os três corpos:
- O Corpo Absoluto (Dharmakaya) — este corpo está além de todas as características. Não tem forma, princípio ou fim, não mora em lugar algum. Não pode ser designado por nenhuma palavra, concebido por nenhum pensamento. Entretanto, não é uma simples ausência de algo, pois dele surgem todas as aparências;
- O Corpo de Glória (Samboghakaya) — este corpo é a manifestação do Buda sob uma forma luminosa, nos campos puros.
- O Corpo de Emanação (Nirmakaya) — este corpo é a manifestação do Buda sob uma forma comum. O Buda como ser humano refere-se a esse corpo de emanação.
Embora as qualidades do Buda sejam infinitas, três delas são consideradas como principais: a sabedoria, a compaixão e o poder.
Compaixão e sabedoria, apesar de sua grandeza, seriam ainda insuficientes se o Buda não possuísse também o Poder de nos ajudar. Esse poder manifesta-se particularmente por meio do ensino que nos dá sobre o caminho (método) para a liberação. Dessa forma, dissipam-se os sofrimentos presentes e suprimem-se as causas de sofrimentos futuros. Pela prática do Dharma, que é a manifestação do poder do Buda, avançamos no caminho da felicidade até o Despertar.
Dharma
É o caminho ensinado pelo Buda. Distinguem-se dois aspectos:
- O Dharma das escrituras — os ensinamentos que foram deixados por escrito, assim como os comentários redigidos por mestres indianos ou tibetanos;
- O Dharma da realização — as realizações advindas, efetivamente, da mente dos grandes seres ou dos seres comuns, graças à prática ensinada.
A Sangha
Todos os que seguem os ensinamentos do Buda constituem a Sangha, ou seja, a comunidade de praticantes. Entretanto, distinguem-se dois tipos de sangha:
- A sangha superior, constituída pelos seres que obtiveram altos níveis de realizações, sejam eles Bodhisattvas, Shravakas ou Pratyekabudas;
- A sangha ordinária ou comum, constituída por todos os outros praticantes.
É fundamentalmente na sangha superior que se toma o refúgio.
As Três Raízes
No Vajrayana, o ramo mais difundido do budismo no Tibet, agrega-se às Três Jóias outros três objetos de refúgios que são as Três Raízes:
- os Lamas, raiz das bençãos;
- os Yidams (divindades de meditação), raiz das realizações;
- os Protetores, raiz da atividade.
No Vajrayana, considera-se que para realizar a natureza última da mente é necessário seguir um Lama, um mestre espiritual que mostra o caminho, confere iniciações, dá instruções e de quem recebemos as bençãos, o poder espiritual. Em seguida, praticamos as meditações em relação aos Yidams, o que nos confere a realização sublime (a realização da natureza última da mente) e as realizações ordinárias (longa vida, mérito, diferentes poderes). Por último, dado que a prática do Dharma encontra numerosos obstáculos, remetemo-nos às divindades chamadas Protetores, para evitar esses obstáculos e estabelecer as circunstâncias favoráveis.
A Cerimônia
A tomada de refúgio realiza-se durante uma cerimônia simples que implica em uma participação ativa de todos os nossos aspectos: nosso corpo, nossa palavra e nossa mente. Essa participação confere uma grande força, um grande impulso, um caráter de seriedade e profundidade ao nosso compromisso espiritual. Dado que no campo relativo todas as aparências são o jogo de sua interconexão, existe necessariamente uma ligação entre o que se realiza formalmente e o sentido profundo do que é realizado. O ritual permite a passagem de uma benção, de uma corrente de força espiritual que penetra nossa mente. Eis o motivo pelo qual é necessária a cerimônia.
Seu desenvolvimento é muito sóbrio. Aquele que toma refúgio afirma o seu compromisso, repetindo três vezes a fórmula de refúgio. Em seguida, o Lama corta uma pequeníssima mecha de cabelo, dá-lhe um nome do Dharma e oferece-lhe um cordão de proteção.
A mecha de cabelo é o sinal de nossa consagração ao Dharma. Simboliza o fato de que renunciamos ao nosso modo de ser ordinário e que entramos pela porta do caminho de Buda.
O cordão de proteção representa a benção do Buda que, a partir desse momento, nos acompanhará.
O nome nos identifica como tendo entrado no caminho da liberação e seu significado se refere sempre a uma ou várias qualidades do Despertar.
Os Preceitos
Tomar refúgio significa engajar-se no caminho da Liberação. Esforçamo-nos, desse modo, em respeitar um certo número de preceitos que nos ajudarão a progredir. Esses preceitos repartem-se em três grupos:
As três coisas a evitar:
- tendo tomado refúgio no Buda, não mais buscamos proteção das divindades deste mundo, ou seja, os espíritos das águas, das montanhas, da terra, etc;
- tendo tomado refúgio no Dharma, evitamos toda atividade que possa ser prejudicial aos seres;
- tendo tomado refúgio na Sangha, evitamos a proximidade dos “maus amigos”, aqueles que criticam vivamente o Dharma ou cuja conduta é muito negativa.
As três atitudes a adotar são:
- tendo tomado refúgio no Buda, respeitamos os objetos que o representam — pinturas, estátuas, fotos, etc;
- tendo tomado refúgio no Dharma, respeitamos os textos sagrados;
- tendo tomado refúgio na Sangha, respeitamos todos os seus membros, todos aqueles que ingressaram no caminho do Buda, todos aqueles que são os detentores dos ensinamentos.
Esforçamo-nos:
- em aceitar a cada dia a prece de refúgio, com confiança e sinceridade;
- em fazer oferendas de coisas belas às Três Jóias.
Esses preceitos são muito singelos e podem parecer simplistas. No entanto, são profundos, se os cumprirmos veremos quão benéficos são.
Por outro lado, é claro que tomar refúgio não significa em absoluto repelir as outras religiões, nem considerá-las inferiores. A atividade do Despertar para o bem dos seres é extremamente vasta e utiliza numerosos métodos para ajudá-los, tanto no plano temporal como no plano absoluto. Eis porque se manifesta através de numerosas tradições religiosas, todas elas merecendo o nosso respeito.
Conclusão
A tomada de refúgio se reveste de tamanha importância porque não é possível encontrar uma proteção mais eficaz contra o sofrimento do que a proteção das Três Jóias, não somente no plano da libertação, como também no das dificuldades e angústias cotidianas. Diz-se que aquele que toma refúgio não mais renascerá nos mundos inferiores, não se engajará em falsos caminhos espirituais e, finalmente, se livrará do ego, raiz de todo o sofrimento.