A Súplica: Instruções sobre “Chamando o Lama de longe” de Jamgon Kongtrul Lodro Thaye, o Grande – parte 2

Continuação do Ensinamento dado pelo III Jamgon Kongtrul Rinpoche,
Karma Lodro Chokyi Senge
Sua Eminência, o III Jamgon Kongtrul Rinpoche – Karma Lodro Chokyi Senge

Sua Eminência, o III Jamgon Kongtrul Rinpoche – Karma Lodro Chokyi Senge

Instruções para a Prática: Considerações Preliminares

1)  O Samsara

 Ah! Seres sencientes, como nós mesmos, que cometeram ações negativas,

Vagam no samsara desde sempre.

Mesmo experimentando um sofrimento sem fim,

Nós ainda assim não sentimos um instante sequer de arrependimento.

Lama, pense em nós, olhe por nós com compaixão imediatamente.

Dê-nos a sua bênção para que a renúncia seja despertada no fundo de nossos corações.

Todos os seres sencientes – sejam lá quem forem e sejam lá quais forem os estados de existência pelos quais eles estejam passando – querem ficar livres do sofrimento e desejam experimentar a felicidade. Eles levam suas vidas antecipando a concretização de suas esperanças e a eliminação de suas dores e medos. Mas eles estão desorientados e não sabem realmente como alcançar a felicidade duradoura ou como abandonar o sofrimento – eles não sabem as causas da felicidade e tampouco as do sofrimento. Por conta de uma ignorância fundamental sobre a verdadeira natureza da realidade, os seres vivos pensam que podem alcançar o bem-estar; mas desconhecem o fato de que, sem sabedoria e compaixão, qualquer coisa que façam para alcançar a felicidade e a ausência de sofrimento só trará mais dor e sofrimento. Embora estejam bem-intencionados, eles perpetuam mais causas e condições que trazem miséria e desgraça. Devido à ignorância sobre a realidade, eles deixam de reconhecer a falta de sentido das promessas oferecidas pela existência condicionada; eles ignoram as oportunidades de atingir a liberdade e continuam vagando, perplexos. Esse processo chama-se “carma no samsara” e vem se repetindo desde sempre para aqueles cujo modo de apreender o mundo é dominado pela confusão.

O ponto mais importante que precisamos entender é que a existência condicionada, o samsara, é sem sentido. Embora pareça possível que alguém possa ser feliz porque experimentou momentos de alegria, conforto e tranquilidade, essa felicidade não é duradoura. É por meio da contemplação da futilidade das buscas impostas continuamente pelo samsara que a renúncia nasce na mente das pessoas.

Há três tipos de sofrimento no samsara:

1) O primeiro tipo de sofrimento é o sofrimento da existência condicionada, que é vivenciado por todos os seres vivos. Como os seres vivos agarram-se aos skandhas – os cinco principais componentes psicofísicos do ser – todos acreditam na existência de uma identidade própria [ego/self] porque identificam-se com todos os componentes ou com alguns deles. Enquanto compreendermos os skandhas como uma identidade própria [absoluta], não poderemos reconhecer a verdadeira natureza da condicionalidade e erroneamente assumiremos que é possível ser feliz dessa maneira. Entender, equivocadamente, que nós mesmos e nossas experiências têm uma existência inerente e independente nos levará sempre, e irremediavelmente, ao sofrimento.

2) O segundo tipo de sofrimento é o sofrimento da mudança. É certo afirmar que experimentamos alegria momentânea na existência condicionada. Mas essa alegria é passageira e não dura porque ela inevitavelmente transforma-se em perda, que, por sua vez, leva à frustração e dor. Todo mundo pode perceber, pela própria experiência, que a alegria momentânea se transforma em sofrimento.

3) O terceiro tipo de sofrimento é o sofrimento do sofrimento, que cada ser vivo vivencia de acordo com seu próprio carma. Cada ser humano experimenta uma grande quantidade de dor física e frustração mental – alguns mais, outros menos. De um modo geral, os seres vivos são vítimas involuntárias do carma coletivo de ter que sofrer a dor do nascimento, da doença, do envelhecimento e da morte. Todos os seres vivos nascem, adoecem, envelhecem e morrem.

Sempre que recitamos “A Súplica”, pedimos ao nosso Lama que nos abençoe com a capacidade de reconhecer o samsara como ele é. Pedimos também que o nosso Lama nos dê inspiração para renunciar ao samsara completamente.

Durante as práticas preliminares, refletimos sobre as quatro contemplações – a preciosidade do nascimento humano, a impermanência, o carma e o samsara. Refletir sobre as quatro contemplações nos inspira a manter nossa mente afastada das promessas falsas do samsara. A base para qualquer prática do Dharma é a renúncia. As quatro contemplações preliminares ajudam-nos a reconhecer que o samsara é enganoso. Se nos engajamos em práticas do Dharma sem termos renunciado às questões mundanas e enganosas, então nossa prática não será efetiva. Essa é a razão pela qual a “Prece da Linhagem” ensina: “ A renúncia é o pé da meditação”; sendo a palavra “pé”, nesse contexto, uma metáfora para o caminho da iluminação. A prática do Dharma só pode ser genuína e benéfica se tivermos conseguido despertar e desenvolver a renúncia.

2) A Preciosidade do Nascimento Humano

Embora tenhamos alcançado o precioso nascimento humano, com seus benefícios e recursos, nós o desperdiçamos em vão,

Constantemente distraídos pelas atividades dessa vida vazia.

Quando se trata de alcançar o grande objetivo da liberação, somos tomados pela preguiça

E voltamos de mãos vazias de uma terra repleta de joias.

Lama, pense em nós, olhe por nós com compaixão imediatamente.

Abençoe-nos para que possamos fazer com que nossas vidas tenham significado.

 Um precioso nascimento humano é o melhor suporte para a prática do Dharma. Quando alguém tem as dezoito condições (as oito liberdades e as dez oportunidades que constituem um precioso nascimento humano) então conseguirá, certamente, encontrar o Budadharma em sua vida e também estará em condições favoráveis para praticar sem impedimentos. Essa é a principal razão pela qual o precioso corpo humano é crucial. Entretanto, assim como é extremamente difícil obtê-lo, é extremamente fácil perdê-lo. Desse modo, é preciso reconhecer o valor dele e, através da prática, fazer uso das vantagens de ter tido a excepcional oportunidade de possuir um corpo humano.

Aprendemos que o nascimento humano é precioso em relação ao tempo, número e exemplo. “Tempo” refere-se ao fato de que um corpo humano é muito raro. Observando a História e as biografias, notamos que o tempo de duração de uma vida humana é muito curto. “Número” refere-se ao número dos poucos seres vivos que adquiriram um corpo humano em comparação com o número inconcebível de seres sencientes que não têm condições de receber os ensinamentos e praticá-los. “Exemplo” está muito bem ilustrado no “O Bodhicharyavatara”, escrito por Shantideva, no qual ele afirma: “Por essas razões, Buda disse que obter um corpo humano é tão difícil quanto uma tartaruga passar sua cabeça por dentro de um aro à deriva no vasto oceano. ” Explicando: uma tartaruga cega mora no fundo do oceano, sem ambições; há um aro de madeira que vaga na superfície do oceano. Buda ensinou que obter um nascimento humano é tão improvável quanto são as chances dessa tartaruga passar seu pescoço por dentro do aro quando ela subir à superfície – evento que se dá apenas uma vez a cada cem anos. Na verdade, obter um corpo humano é ainda mais improvável do que a cabeça da tartaruga acertar em cheio o tal arco. O objetivo do uso desse exemplo não é assustar, mas fazer com que fiquemos conscientes do quanto foi difícil termos atingido as nossas atuais condições favoráveis e do imenso valor de tais condições. E então, essa é a razão pela qual oramos ao nosso Lama pedindo-lhe ajuda para sermos gratos pela nossa situação afortunada e para nos inspirar a fazer bom uso dessa oportunidade através da prática ininterrupta do Budadharma.

Se não estivermos satisfeitos e não dermos valor ao nosso estado humano, desperdiçaremos nossa vida com distrações mundanas e continuaremos lutando para alcançar os oito dharmas mundanos, que são os ventos ou as influências que alimentam as paixões. Os oito dharmas mundanos são apego ao ganho, ao prazer, ao elogio e à fama; aversão à perda, à dor, à crítica, e a uma má reputação. Enquanto nossa mente se mantiver sobrecarregada pelo apego e pela aversão, não seremos capazes de verdadeiramente satisfazer nossos objetivos pessoais e também falharemos em eliminar os danos provocados por tal sobrecarga. Dessa maneira, experimentaremos discrepância ao lutarmos para concretizar nossas esperanças de atingir e garantir uma suposta felicidade. Como resultado disso tudo, desperdiçaremos nossas vidas.

Às vezes queremos praticar o Budadharma, mas somos preguiçosos e adiamos a prática até que as circunstâncias pareçam melhores. Mais uma vez, estamos desperdiçando nossas vidas com atividades que não são saudáveis e que, invariavelmente, tornam-se hábitos. Quando nossa mente está perdida na escuridão da ignorância, parece mais fácil engajar-se em atividades negativas do que em atividades positivas. Como consequência, prolongaremos nosso tempo no samsara e permaneceremos em um estado de confusão que só traz mais sofrimento ainda. Nesse caso, pareceremos com pessoas que voltam com as mãos vazias de uma terra repleta de joias. Desse modo, oramos fervorosamente ao nosso Lama e pedimos-lhe que nos abençoe com a capacidade de usar nossas preciosas vidas humanas da melhor forma possível para atingirmos a iluminação.

3) O Dharma

 a) Morte

“Não existe, nesse mundo, alguém que não vá morrer.

Nesse mesmo momento, as pessoas estão morrendo, uma após outra.

Nós também logo morreremos,

Mas, como uns tolos, planejamos viver longamente.

Lama, pense em nós, olhe por nós com compaixão imediatamente.

Abençoe-nos para que possamos sufocar nossos planos fúteis.”

Todos os fenômenos condicionados são impermanentes e sujeitos à destruição e à decadência. Todos os esforços investidos para atingir objetivos mundanos são vãos, porque tudo passa. Isso se aplica ao nosso corpo também, que é composto por carne, sangue e ossos. Em um determinado momento ele foi criado e em um outro determinado momento ele decairá. Mas isso não acontece com a mente, que nunca foi criada e nunca acabará. Qualquer que seja a forma de um ser vivo, ele morrerá, pois a natureza de todas as coisas condicionadas é transitória. Podemos verificar que não há qualquer ser vivo que já não tenha morrido antes ou que não vá morrer um dia e que nós mesmos também passaremos por isso.  A visão e o pensamento da morte assustam todos nós, apesar de sabermos que tudo é impermanente. Tentamos bloquear esses pensamentos e ficamos tristes quando eles aparecem ou quando somos confrontados com a morte de um amigo, de um parente e até de um estranho. Cedo ou tarde, esquecemos de novo do assunto e voltamos a tentar ignorar que morreremos um dia. Desse modo, é muito importante refletir repetidamente sobre a iminência da morte para compreender que é necessário praticar.

Além disso, a hora da morte é incerta. Ninguém sabe o quanto vai viver, nem quando vai morrer – pois a morte pode ser causada por várias condições. Nagarjuna comparou a vida com o clarão de um raio e com uma bolha, mostrando por imagens como a vida realmente é breve e intensa. Ele ensinou que a vida é tão frágil que é difícil entender como alguém consegue inalar após ter exalado; que alguém acorde depois de ter dormido. A vida é preciosa e a morte é certa – ela pode ocorrer a qualquer momento. Ninguém sabe se viverá muito ou não. Contemplar a natureza transitória de todas as coisas e a iminência da morte estimula-nos a praticar o Dharma diligentemente e a não desperdiçarmos o nosso tempo. Nós oramos ao nosso Lama e pedimos a sua orientação.

b) Impermanência

 “Nós seremos separados dos nossos amigos mais próximos.

A riqueza que acumulamos com avareza ficará para outros.

Mesmo o nosso corpo, que amamos tanto, será deixado para trás.

E a nossa consciência vagará sem direção pelos bardos do samsara.

Lama, pense em nós, olhe por nós com compaixão imediatamente.

Abençoe-nos para que possamos perceber a futilidade dessa vida. ”

Nossos amigos e parentes nos deixam felizes com sua bondade, mas isso também não durará para sempre. Passamos uma boa parte do tempo ao lado dos nossos amigos e brigando com nossos inimigos. Rejeitamos nossos inimigos e somos apegados aos nossos amigos. Apego e aversão são as bases para as nossas atividades e ambas são partes ativas dos processos cármicos. Precisamos contemplar a impermanência e percebermos que a vida é transitória. Os amigos e parentes dessa vida não foram necessariamente os nossos amigos e parentes em vidas passadas, assim como também não necessariamente estarão por perto de nós em vidas futuras. Na morte, todos se separam e ninguém pode acompanhar ninguém. Somos separados daqueles que estão perto e daqueles que estão longe de nós, sem sabermos nosso destino e sem saber se algum dia nos encontraremos de novo.

Existe um exemplo amplamente conhecido de um Arhat famoso e realizado chamado Nobre Katayana. Ele havia passado uma quantidade enorme de tempo dentro de uma caverna, em uma absorção mental profunda. Um dia, ele viu, no supermercado, uma mulher carregando um bebê em um dos seus braços e segurando um peixe que pretendia comer com a sua outra mão. Um cachorro faminto abocanhou o peixe e ela o chutou com raiva. Nobre Katayana era um meditador realizado e, portanto, pôde enxergar a ligação cármica entre aqueles seres – em uma vida anterior, a criança que a mãe protegia com zelo havia sido seu pior inimigo; o peixe que ela queria comer havia sido seu pai; e o cachorro que ela chutava havia sido sua mãe. Nós somos ignorantes sobre as ligações cármicas que nos acompanham de uma vida para a outra e sobre as implicações da interdependência entre tais ligações. Nossos antigos inimigos podem vir a ser nossos melhores amigos, enquanto nossos melhores amigos podem vir a ser nossos piores inimigos.

Não devemos, portanto, ser indulgentes nos nossos relacionamentos durante essa vida e, assim como não devemos desenvolver animosidade em relação aos inimigos, também não devemos desenvolver apego em relação aos amigos. O antagonismo gera outros estados mentais, que, por sua vez, prolongam a acumulação de hábitos e padrões mentais negativos do ponto de vista cármico. Essa é uma das razões pelas quais devemos passar o máximo de tempo possível desenvolvendo a Bodhicitta, [“a altruísta mente do despertar”], que nos ajuda a perceber a igual natureza de todos os seres e de todas as coisas. Se contemplarmos que todos os seres vivos foram, um dia, os nossos queridos pais ou mães, então, poderemos experimentar uma imparcialidade genuína em relação aos nossos amigos e inimigos. De mais a mais, nenhum amigo ou inimigo é capaz de nos proteger ou assistir na hora de nossa morte. Nada nem ninguém nos acompanha no momento da morte.

Durante a vida, colecionamos e acumulamos um monte de coisas, gastando muita energia nesse processo. Esse hábito provoca emoções perturbadoras, tais como a ansiedade para procurar o melhor meio e lugar para guardar as riquezas e fortunas acumuladas. Se tivermos sido avarentos, teremos acumulado muita riqueza material, mas também muito carma negativo. Na hora da morte, a única coisa que permanecerá é o carma negativo. Muitas pessoas deixam de praticar a generosidade, recusando-se a fazer oferendas e doações e a dar assistência aos necessitados; e aí, quando chega o momento de morrer, essas pessoas que acumularam as coisas somente para si mesmas sofrem por ter que se separar delas. Nossa mente não termina com a morte. A única ajuda que alguém pode ter durante a morte advém da prática do Budadharma realizada durante a vida. Desse modo, pedimos ao nosso Lama que nos abençoe para que fiquemos satisfeitos com nossa situação em vez de ficar correndo atrás de coisas inúteis. A prática do Dharma é o único apoio na hora da morte.

Muitas pessoas praticam os ensinamentos do Senhor Buda com a intenção de ganhar saúde e fama nessa vida e não compreendem o real propósito da prática – que é fazer o melhor uso dessa vida através da busca para alcançar metas significativas. A prática nos prepara para lidar com a morte de forma desperta e consciente; ela também beneficia nossas vidas futuras e, finalmente, leva-nos à fruição, que é a conquista do estado da perfeição. A prática espiritual de uma pessoa fica poluída e alienada se ela busca apenas vantagens pessoais para essa vida. Uma pessoa equivocada como essa permanecerá aprisionada pelos oito dharmas mundanos.

Como já foi dito, a prática genuína do Budadharma é de grande ajuda na hora de nossa morte. É claro que precisamos praticar diligentemente durante a vida para experimentarmos tal benefício. Precisamos criar condições apropriadas para a prática alimentando-nos bem e cuidando de nossa saúde. Porém, devemos ficar contentes com as circunstâncias favoráveis uma vez que tenhamos estabelecido condições satisfatórias para a prática. Se continuarmos procurando obter mais riqueza e mais fama, desperdiçaremos energia e tempo amontoando tudo o que formos adquirindo. E não podemos nos esquecer de que é necessário investirmos muito tempo na aprendizagem sobre o Dharma; mas que a prática fica “seca” quando apoia-se apenas na mera compreensão intelectual. É por isso que é extremamente importante percebermos que não temos tempo a perder e que precisamos aproveitar toda e qualquer oportunidade para praticarmos o Dharma. Contentamento é um pré-requisito. Dessa forma, oramos ao nosso Lama para que nos inspire a perceber a futilidade das questões mundanas.

4) O Carma

“Na nossa frente, a negra escuridão do medo espera para nos engolir;

Nas nossas costas, o vento vermelho e feroz do carma nos persegue.

Os terríveis mensageiros do Senhor da Morte batem em nós e nos apunhalam,

Assim, experimentamos os sofrimentos insuportáveis dos reinos inferiores.

Lama, pense em nós, olhe por nós com compaixão imediatamente.

Abençoe-nos para que sejamos liberados dos abismos dos reinos inferiores. ”

Na hora da morte, ficamos com medo e aflitos – o que faz parte do nosso carma e pode ser comparado com um furacão fazendo com que rodopiemos através de sucessivas experiências. Yama, o terrível mensageiro da morte, arrasta-nos durante todo o processo. Nós oramos ao nosso Lama para que olhe por nós com compaixão e para que nos liberte do renascimento nos abismos de um dos três reinos inferiores da existência (o reino do inferno, o reino dos fantasmas famintos e o reino animal).

Se praticamos o Dharma durante essa vida, não sentiremos medo algum na hora de nossa morte, já que a nossa mente estará em paz e calma. Se mantivermos a regularidade do hábito da prática, nada nos meterá medo. Podemos nos engajar em várias práticas que são preparações para as experiências da morte e de morrer, especialmente a prática da transferência da consciência individual para Dewachen, o puro campo búdico de Amitabha.

Se não praticarmos durante nossa vida, a morte passa a ser uma experiência assustadora. A pessoa que está morrendo não sabe o que está acontecendo ou em que lugar irá parar. Lodro Thaye descreve esse estado em “A Súplica” como “a negra escuridão do medo”, um estado em que a mente, capturada violentamente, atravessa um reino de névoas. O indivíduo passa de uma vida para outra sem saber de onde veio ou para onde está indo. Depois da morte, a mente é impelida pelo vento do carma; todos os resultados das ações de um indivíduo amadurecem e este depara-se com as dolorosas consequências de tais ações. O indivíduo é empurrado para o seu próximo nascimento pelo vento do carma, que é a infalível e certeira lei de causa e efeito. O indivíduo é o único responsável por todas as ações que acumulou durante a vida. As ações nunca deixam de ser contabilizadas, não desaparecem até que os efeitos do amadurecimento cármico se tornem experiências vívidas, integralmente vivenciadas pelo indivíduo.

Por não ter qualquer controle sobre a sua mente, o indivíduo em questão não pode saber como será a sua futura vida após a morte. O carma negativo arremessa o indivíduo através do sofrimento nos estados inferiores de existência, onde quem governa é o Senhor da Morte. Nesses estados os indivíduos experimentam dores e frustrações severas. E então, nós oramos ao nosso Lama para que não tenhamos que experimentar os tormentos dos reinos inferiores.

Eu discuti sobre a prática do Dharma e sobre os vários obstáculos que podem aparecer no caminho dessa prática. A prática do Dharma pode ser comparada com um campo de guerra em que duas armas determinarão a vitória: a Bodhicitta e a devoção pelo nosso Lama-Raiz e por todos os Lamas da Linhagem, que mantiveram e transmitiram os ensinamentos para nós sem interrupção. O fator mais importante durante a prática do Dharma é a motivação pura, pois as nossas intenções determinam as nossas ações. Quem tem as duas armas: Bodhicitta e dedicação persistente será vitorioso em todas as suas práticas.

Recitar textos sagrados e mantras com um fraco estado de espírito não é suficiente. Pelo contrário: uma pessoa precisa conferir suas motivações o tempo todo; examinar sua mente; e estar atenta em todas as fases de sua vida. Se investigar cuidadosamente a sua mente, essa pessoa verá que as intenções puras trazem resultados benéficos e que todas as atividades do corpo, da fala e da mente serão positivas e efetivas. Se uma pessoa não compreende sua própria mente, a prática não lhe servirá para muita coisa.

Clique aqui para ler a Parte 3

Nota da tradução para o inglês: A tradução do Texto Raiz foi realizada por Dzogchen Ponlop Rinpoche e Michele Martin e baseou-se em uma versão realizada pelo Comitê de Tradução Nalanda, em “Journey without Goal”, de Chogyam Trungpa (Shambhala, 1985); publicada no “His Eminence Jamgon Kongtrul Rinpoche. In Memory”, Jamgon Kongtrul Labrang, Rumtek, Sikkim, 1992, páginas 42-73. As instruções apresentadas por Jamgon Rinpoche na França, em 1990, foram transcritas para os arquivos do Monastério Pullahari, no Nepal, e organizadas por Gaby Hollmann, responsável por quaisquer erros.  

Todos os conteúdos © Thar Lam

Original em inglês: ‘The Supplication: Instructions on Calling the Lama from Afar by Jamgon Kongtrul Lodro Thaye the Great’. Thar Lam, The Path of Liberation, The International Journal of Palpung. Dezembro, 2007. p. 15 – p.37

Traduzido para o português por KTC – Cláudia Marcanth.

Revisado e editado por Cláudia Carréra.
KTC, maio de 2015